Chikki 101- Sobre Valor, Validação e Vulnerabilidade
Sobre Valor, Validação e Vulnerabilidade: Uma reflexão sobre o Puffi Game
Uma proposta anti-hierárquica que questiona relações de valor e validação na esfera contemporânea
O valor atribuído à obra é frequentemente condicionado por três fatores centrais:
Status quo: obras adquiridas como símbolos de distinção social e cultural (Bourdieu, 1993), numa lógica de validação pela associação ao artista e às instituições que o legitimam.
Investimento: a obra é percecionada como ativo financeiro, cuja valorização futura depende da escassez e das dinâmicas de mercado (Benjamin, 2008), transformando-a em mercadoria, frequentemente dissociada da experiência estética direta.
Apreciação discursiva: um número reduzido de colecionadores valoriza a análise técnica e conceptual, inserindo a obra em narrativas históricas ou culturais (Berger, 1972).
Estes paradigmas — com os quais não concordo — sustentam um sistema amplamente aceite, mas intrinsecamente excludente. A lógica dominante tende a afastar o “ grande” público, criando um fosso entre entre acesso e pertença.
Uma proposta: Puffi Game
Puffi Game, enquanto prática, nasce como resposta a essas estruturas, propondo um modelo alternativo de aquisição e relação com a obra. Inspirado na estética e dinâmica das bancas de feira, o jogo permite que qualquer pessoa, independentemente do seu capital económico ou cultural, possa adquirir um Puffi — desenho tridimensional em tecido e fibra — por um valor simbólico (1€), desde que consiga derrubar latas com uma bola.
A “simplicidade” da acção é intencional: o que está em jogo não é destreza física, mas a deslocação simbólica do valor. Ao recusar os critérios normativos de mercado, o “jogo” subverte a lógica de “preço como valor”, transferindo o significado da obra do objeto para o processo, da escassez para a partilha, da autoridade para a experiência direta. O Puffi é deliberadamente imperfeito — com costuras visíveis, acabamentos por vezes inacabados — recusando a normatividade estética institucional e afirmando a imperfeição como estrutura.
Pensamento como prática
Ao permitir que qualquer pessoa participe no processo de aquisição, o jogo funciona como metáfora de um pensamento quase “anarco-sindicalista”: uma prática descentralizada, anti-autoritária, anti-hierárquica, onde não há curadores, nem mediação institucional, nem filtros de validação. O acesso não depende da pertença, mas da ação. Trata-se de uma proposta onde a inteligência sensível — e não o capital acumulado — é o ponto de entrada.
Acredito que o espaço onde expomos a prática-do fazer- deve ser acessível. O Puffi Game é, nesse sentido, uma prática que questiona diretamente os mecanismos normativos interpretação e apropriação da obra e o próprio contexto: o espaço- de fazer. Jogar é assumir um gesto simbólico que procura ultrapassar as relações convencionais de valor.
Referências: Arendt, H. (1998). The Human Condition (2ª ed.). University of Chicago Press. Beuys, J. (1991). Joseph Beuys: The Art of Dialogue. Edition Staeck. Benjamin, W. (2008). The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction. Penguin Books. Berger, J. (1972). Ways of Seeing. Penguin Books. Bishop, C. (2012). Artificial Hells: Participatory Art and the Politics of Spectatorship. Verso Books. Bourdieu, P. (1993). The Field of Cultural Production: Essays on Art and Literature. Columbia University Press.